Ravi, o cozinheiro


No edifício mais alto do mundo, o restaurante mais alto do mundo.

Depois de termos apreciado a vista que nos fascinou por causa da altura a que estávamos, começámos a escolher os lugares para nos sentarmos. O grupo começou a servir-se e eu esperei que estivesse tudo mais calmo, sem atropelamento. E quando já estavam todos a iniciar a refeição, então levantei-me, com uma curiosidade enorme, para ver o que me esperava. 

Um balcão com imensos panelões, cada um com sua especialidade, como saber o que escolher? Passei por todos eles, sendo que cada um me parecia mais exótico que o outro, mas havia ingredientes que não se percebiam muito bem. Depois vem o problema dos molhos: doces, picantes, vá-se lá saber. 

No meio da minha indecisão, fui surpreendida por um rapaz indiano, alto e magro, muito bem vestido, de calça escura e impecável camisa branca, que de mãos atrás das costas me perguntou em inglês se precisava de ajuda. Comecei a rir e agradeci-lhe. Disse-lhe que não queria nada picante e daí toda a minha dúvida. Então ele levou-me até uma das pontas do balcão e começou a percorrer todos os tachos, explicando-me o que era isto, o que era aquilo. 

Eu, muito curiosa e ele contrastando com o seu ar todo entendido. Mas eu continuava na mesma, sem saber o que escolher. Às tantas apontou para um legume que eu não entendi o que era. Pediu-me então para ir com ele até à cozinha. Fiquei um bocado atrapalhada, mas não tive escolha, porque ele apontou com a mão, dando-me passagem e a cozinha era na parede contígua, sem portas, pelo que não havia o menor problema. E ele tinha um ar muito digno, correcto e profissional. Mas é preciso ter cuidado. Abriu um enorme frigorífico e mostrou-me o legume cru. Sorri e fiz-lhe sinal que sim. Voltámos à sala e comecei a servir-me, com ele pormenorizando o que eu tirava e aconselhando-me em algumas coisas.

Quis saber de onde vínhamos e se eu estava a gostar. Disse-lhe que éramos portugueses e que estava a adorar a viagem. Perguntei-lhe se era indiano, sorriu e respondeu que sim. De onde? De Nova Deli. Disse-lhe que tinha estado lá no ano anterior. Perguntou-me se tinha gostado. Respondi-lhe que sim, que tinha sido a viagem mais louca da minha vida. Perguntei-lhe como se chamava. Ravi, era o seu nome. Disse-lhe que tinha um nome lindo, mas falei-lhe em hindy. Então o rosto dele abriu-se num delicioso e curioso sorriso. 

Era evidente que não estava à espera que lhe falasse na língua dele. E antes que ele me fizesse mais perguntas, disse-lhe que Ravi significava "filho do sol". O sorriso dele, alargava-se e ficara ligeiramente nervoso, emocionado. Perguntou-me como sabia tanta coisa. Respondi-lhe que tinha nascido na terra dele, mas em Goa. Agora, além do sorriso, ele tinha um ar feliz, de quem tinha tido uma surpresa muito agradável e perfeitamente inesperada. 

Entretanto eu já me tinha servido e estava junto ao buffet apenas a conversar com ele. Sugeriu que fosse comer, para não arrefecer. "Atchá", respondi. Ele ficou parado e depois, com o dedo indicador levemente apontado para mim, disse-me. Vou fazer uma sobremesa especial para ti. Para mim? Perguntei. Acenou com a cabeça em sentido afirmativo e foi para a sua cozinha.

Fui finalmente sentar-me e saborear a comida de Ravi. Estava óptimo, mas se não estivesse eu com certeza não teria dado por nada. Eu estava era emocionada e deliciada com a simpatia do meu amigo que, provavelmente, tinha idade para ser meu filho, só que não era. 

Porque veio ele ter comigo? Por acaso. Talvez porque fui sozinha, quando todos já tinham saído dali. O certo é que ele foi carinhoso na atenção que me dedicou e eu apreciei muito isso.

Estava um grande tumulto na sala, muitas pessoas já se tinham ido servir várias vezes e já todos, em geral, tinham terminado a refeição. Muitos continuavam sentados à mesa a conversar, mas outros tinham ido ver a vista novamente.

No meio daquela agitação, quando eu estava já no fim do meu delicioso almoço, eis que vejo caminhar na minha direcção, Ravi, com as mãos ocupadas. Chegou à minha mesa e pousou o que trazia, dizendo, isto é especial para ti. Espero que gostes. Olhei para ele com um sorriso meio constrangido mas, mais uma vez, deliciada, muito mais com a atitude e o gesto do que com o resto. Mas as duas coisas ligavam muito bem e realmente foi um grande prazer.

Quando nos fomos embora, agradeci-lhe tudo e ele na sua compostura, simpatia e educação, respondeu simplesmente "volta outra vez". 

Há encontros que não têm lugar nem hora marcada. Não têm definição de sexo, nacionalidade ou etnia. Também não têm que ver com idades, nem com nenhum assunto especial. Mas são encontros, porque realmente, naquele momento único, as pessoas se encontraram de facto. Por um breve momento se entenderam, deram e receberem sem consequências ou exigência alguma. 

Nem são grandes, nem pequenos. São o que são.

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